Neomedievalismo, Artes Marciais Históricas Europeias e as Ciências Sociais Nômades – Um Horizonte Interdisciplinar de Estudos
Neomedievalism, Historical European Martial Arts and the Nomadic Social Sciences – An Interdisciplinary Horizon of Studies
Jorge PEDROZA
Mestrando em História pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Brasil
ORCID: https://orcid.org/0009-0006-7625-4316
jpedrozas@outlook.com
Resumo: O neomedievalismo, como campo de estudos crescente, analisa os ambivalentes empregos da categoria simbólica de Idade Média. As HEMA, como atividade prática, caracterizam-se principalmente pela sua relação com documentos manuscritos e iconográficos, e o seu estudo. Neste âmbito, as HEMA, em sua releitura do conceito de Idade Média, se mostram como auspicioso horizonte de estudo por intermédio do neomedievalismo, mas com poucas produções a respeito. Este ensaio, de cunho propositivo, buscará tecer uma possível via interdisciplinar de estudo das HEMA através da teoria do neomedievalismo que busque elucidar os multifacetados “res” entre a prática e os usos do medievo.
Palavras-Chave: HEMA; Neomedievalismo; Idade Média.
Abstract: Neomedievalism, as a growing field of study, analyzes the ambivalent uses of the symbolic category of the Middle Ages. HEMA, as a practical activity, is mainly characterized by its relationship with handwritten and iconographic documents, combat manuals, and their study. The HEMA, in its reinterpretation of the concept of the Middle Ages, appears to be an auspicious horizon for study based on neomedievalism, but with few productions on the subject. This essay, of a propositional nature, will seek to weave a possible interdisciplinary way of studying HEMA based on the theory of neomedievalism that seeks to elucidate the multifaceted “res” between the practice and uses of the medieval period.
Keywords: HEMA; Neomedievalism; Middle Ages.
Recibido: 12/03/2024
Aceptado: 02/04/2024
Cómo citar: Pedroza, J. (2024). Neomedievalismo, Artes Marciais Históricas Europeias e as Ciências Sociais Nômades – Um Horizonte Interdisciplinar de Estudos. Neomedieval, 1, 141-177. https://doi.org/10.33732/nmv.1.31
Copyright: El/La Autor/a.
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Introdução
“A Idade Média não existe”, é a partir desta afirmação que o historiador Christian Amalvi (599) inicia o verbete “Idade Média” no livro Dicionário Analítico do Ocidente Medieval. Ao afirmar a não existência da Idade Média, Amalvi a reconhece como uma construção, uma fabricação, um mito que se encontra em movimento perpétuo, objeto de múltiplas releituras que seriam difundidas, de geração em geração, na sociedade. Ou seja, a Idade Média como uma construção, algo diferente do seu tempo histórico, conforme evidenciamos na seguinte passagem que inicia o verbete:
(...) Esse período de quase mil anos, que se estende da conquista da Gália por Clóvis até o fim da Guerra dos Cem Anos, é uma fabricação, uma construção, um mito, quer dizer, um conjunto de representações e de imagens em perpétuo movimento, amplamente difundidas na sociedade, de geração em geração, em particular pelos professores do primário, os “hussardos negros” da República, para dar à comunidade nacional uma forte identidade cultural, social e política. (Amalvi 599)
O historiador percorre o seu verbete demonstrando os múltiplos usos a posteriori deste conceito, do humanismo ao neoclassicismo, do culto nacional de Joana D’Arc, do romantismo do século XIX aos usos da Idade Média no século XX, Amalvi faz um breve mapeamento, evidenciando os usos político-culturais do medievo. O mapeamento realizado por Amalvi restringe-se, majoritariamente, ao mundo europeu e anglo-saxão encerrando-se no século XX. Entretanto, ao contemplarmos a contemporaneidade, tal figuração não se mostra muito diferente, de exemplos audiovisuais como: House of the Dragon (Casa do Dragão, tradução nossa), em 2022, um prelúdio à famosa série Game of Thrones (Jogo dos Tronos), outro exemplo se encontra no filme do cineasta Ridley Scott, The Last Duel (O Último Duelo, tradução nossa) filme lançado em 2021 que faz referência a um dos últimos duelos judiciais do qual se tem registro.
Movimentando-se aos trópicos, podemos perceber outro exemplo audiovisual como a telenovela Deus Salve o Rei, escrita por Daniel Adjafre e dirigida por Fabrício Mamberti, exibida ao longo de 2018. Podemos contemplar, também, exemplos de usos políticos como em março de 2020, ao retomarmos – em caráter de exemplo das apropriações da Idade Média na contemporaneidade – a figura do “cavaleiro” da Lux Brasil no vídeo, disponível na plataforma Youtube de nome “O Cavaleiro da Lux Convida Você!” (Lux Brasil). Esse sendo uma evidente apropriação do medievo no intuito de construir e fornecer arcabouço de legitimação em torno de uma narrativa política. Podemos, também, evidenciar a presença do influencer de extrema-direita, Paulo Kogos, e suas aparições trajado como “cavaleiro templário” em manifestações políticas, conforme evidenciado por Fernando Miller na matéria “‘Cavaleiro Templário’ Paulo Kogos comparece na manifestação bolsonarista”, ou o seu uso recorrente da Idade Média como legitimadora de pensamento em seu canal “Ocidente em Fúria – com Paulo Kogos” também na plataforma Youtube. Identificamos, aqui, não apenas este episódio, mas outros que evidenciam o emprego da Idade Média, em uma conjuntura político-cultural, em um país que não a viveu, mas aparentemente a vive.
Acerca destas releituras do medievo, em suas múltiplas dimensões culturais, políticas e religiosas, podemos alçar ao debate o campo de estudo dos neomedievalismos como um horizonte promissor que tem como objeto principal de análise as múltiplas releituras do medievo, questionando a forma e as razões pela qual a Idade Média é empregada. Este campo se mostra auspicioso no Brasil e vem produzindo múltiplos frutos norteados pelo trabalho de historiadores, conforme podemos observar a partir de um dossiê da revista acadêmica Signum dedicado ao tema publicado em 2021.
Neste âmbito, evidenciamos o tópico das Artes Marciais Históricas Europeias (HEMA, acrônimo em inglês)1 como uma das múltiplas expressões de neomedievalismo observáveis atualmente. Seguindo um movimento internacional de revitalização de uma arte marcial extinta por intermédio da tradução e da reinterpretação de um corpus técnico-literário (manuais de lutas) que consiste em uma fonte primária manuscrita e iconográfica. Trata-se, portanto, de um movimento contemporâneo cuja prática se mostra acessível no tempo presente, tanto fora do Brasil, quanto dentro deste através de organizações de caráter nacional como HEMA Brasil (HBR), ou o projeto Harpia – Artes Marciais Históricas Europeias, assim como academias e grupos de estudo regionais. A figura de exemplo, levantamos o caso da Academia de Esgrima Histórica Carioca (AEHC)2 como a mais expressiva e longeva academia para estudo e prática das Artes Marciais Históricas Europeias (HEMA) na cidade do Rio de Janeiro. (AEHC) Entretanto, levantamos um questionamento: como estudar estas releituras de um “tempo histórico”, isto é, o conceito de Idade Média, quando a prática se mostra acessível no tempo presente?
Antes de prosseguirmos acerca dos objetivos desenhados no presente artigo, consideramos importante uma breve elucidação de algumas organizações supramencionadas. Em primeiro caso, referenciando a HEMA Brasil (HBR), trata-se de uma organização fundada por Guiarony Moreira Machado no final de 2014, obtendo seu CNPJ e reconhecimento com organização privada, em 2015, pelo Ministério da Fazenda. Criada com o intuito de promover a prática das Artes Marciais Históricas Europeias em solo brasileiro, além de participar da organização de eventos de caráter nacional como torneios nacionais de HEMA. (Harpia, “HEMA BRASIL”) Em seguida, elucidamos que o projeto Harpia se configura como um portal criado por Guiarony Moreira Machado após sua saída do HEMA Brasil como forma de contribuir com a área das HEMA no Brasil e registrar a sua história, além de disponibilizar o corpus técnico-literário para prática das HEMA no idioma português. Para maiores informações, ver “Wiki Harpia Com Guiarony, Breno E Lara”. (EspadaCast).
As múltiplas releituras do medievo e suas associações políticas, já mencionadas – entretanto – não se limitam às dimensões apenas do audiovisual e comunidades online. No âmbito da mencionada Esgrima História, salientamos uma publicação pessoal do autor e praticante das Artes Marciais Históricas Europeias, Guy Windsor, por meio da plataforma medium, de título “Fascists are poisoning HEMA. Here’s one small thing I’m doing about it.” (Os fascistas estão envenenando as HEMA. Aqui, está uma pequena coisa que estou fazendo a respeito disso, tradução nossa). Por meio desta, Guy Windsor reconhece a presença de membros da extrema-direita e a propagação de ideologias radicais no âmbito das HEMA, em específico no foco direcionado na letra “E” do acrônimo, em referência a raiz europeia das artes marciais praticadas. Percebemos, neste sentido, a necessidade do estudo e compreensão das HEMA como neomedievalismo, e o uso empregado não apenas de sua relação com a história europeia, mas também da construção em torno do medievo no âmbito da prática e suas relações políticas, culturais e sociais.
O presente ensaio, portanto, almeja propor uma abordagem por meio dos escritos do antropólogo Néstor Garcia Canclini em “Culturas Híbridas: Estratégias Para Entrar e Sair da Modernidade” articulando-a ao campo de estudo dos neomedievalismo por intermédio do objeto da esgrima histórica. O texto, neste âmbito, delinear-se-á em três pontos: o primeiro buscando elucidar o campo de estudo do neomedievalismo, apresentando alguns conceitos relevantes para o estudo da prática da esgrima histórica; o segundo buscará elucidar a própria prática da esgrima histórica, delineando a história da revitalização das HEMA e suas características como prática. O terceiro e último ponto buscará articular a abordagem proposta por Canclini ao campo do neomedievalismo no âmbito da esgrima histórica para que, a partir desta, possamos ter um horizonte de estudo interdisciplinar, compreendendo-o como uma abordagem nômade das ciências humanas, que possibilite um entendimento acerca do tema próximo de uma maior completude da prática deste neomedievalismo no Rio de Janeiro na contemporaneidade.
1. Neomedievalismo como campo de estudos – alguns apontamentos
O termo neomedievalismo carrega o significado de um campo de estudo pós-moderno cuja análise se centra nas múltiplas relações da contemporaneidade com a Idade Média. Por definição, o neomedievalismo, segundo Lauryn S. Mayer, em “Dark Matters and Slippery Words: Grappling with Neomedievalism(s)” (Assuntos Obscuros e Palavras Escorregadias: Abordando os Neomedievalismos, tradução nossa), é um termo que resiste a qualquer tentativa de categorização fácil. Tal característica encontra-se, conforme Mayer, pela própria estruturação e natureza da pergunta. Quando indagamos sobre o que é neomedievalismo, buscamos uma definição estática sobre um campo de estudo em contínuo desenvolvimento e desdobramento. Por esse motivo, definir o que é neomedievalismo é, em si, uma tarefa árdua e cujo produto pode se mostrar defasado em relação à posição ocupada pelo interlocutor no tempo de análise (68). Buscaremos, portanto, elucidar de maneira breve a evolução do neomedievalismo como um campo de estudo, apresentando brevemente alguns debates inerentes ao campo e prosseguindo ao ponto central desta análise: o neomedievalismo como um horizonte de estudos imerso na conjuntura brasileira.
A pesquisadora KellyAnn Fitzpatrick, em seu livro “Neomedievalism, Popular Culture, and the Academy: From Tolkien to Game of Thrones” (Neomedievalismo, Cultura Popular e a Academia: De Tolkien a Game of Thrones, tradução nossa), dialoga com Lauryn S. Mayer ao afirmar que, no campo do neomedievalismo, talvez, a empreitada de maior mérito se encontre não em sua definição estática e clara, mas no que o campo proporciona e a maneira que o faz. Este caráter de permanência e constante transformação do neomedievalismo e sua relação com a Idade Média se mostra evidente na seguinte passagem: “some of the ways neomedievalism is contingente on and participatory in a constant producing and reproducing, assembling and reassembling of the Middle Ages in contemporary culture”(algumas das maneiras pelas quais o neomedievalismo é contingente e participativo em uma constante produção e reprodução, montagem e remontagem da Idade Média na cultura contemporânea. Fitzpatrick, tradução nossa; 30) Tal passagem fazendo referência a construções contemporâneas audiovisuais que utilizam ou se inspiram no conceito de Idade Média.
Desta forma, a partir da compreensão das HEMA como uma das expressões de neomedievalismo, buscamos sua compreensão, em modo e razão da prática. Assim como a relação estabelecida entre o movimento de revitalização desta arte marcial e a construção do conceito de Idade Média.
1.1 Neomedievalismo como campo de estudos - contextualizando
Thus we are at present witnessing, both in Europe and America, a period of renewed interest in the Middle Ages, with a curious oscillation between fantastic neomedievalism and responsible philological examination. Undoubtedly what counts is the second aspect of the phenomenon, and one must wonder why Americans are more or less experiencing the same obsession as Europeans and why both are devouring the reconstructions of Duby, Le Roy Ladurie, and Le Goff as if they were a new form of narrative. […] We are dreaming the Middle Ages, some say. (Assim, estamos atualmente testemunhando, tanto na Europa como na América, um período de renovado interesse pela Idade Média, com uma curiosa oscilação entre o neomedievalismo fantástico e o exame filológico responsável. Sem dúvida, o que conta é o segundo aspecto do fenômeno, e devemos nos perguntar por que os americanos vivem mais ou menos a mesma obsessão que os europeus e por que ambos devoram as reconstruções de Duby, Le Roy Ladurie e Le Goff como se fossem uma nova forma de narrativa. [...] Estamos sonhando a Idade Média, dizem alguns. Eco, tradução nossa; 59)
A passagem acima, retirada do livro Travels in hyper reality: essays (Viagens na hiper-realidade: ensaios, tradução nossa) de Umberto Eco, acadêmico e escritor italiano, compõe o capítulo intitulado Dreaming of the Middle Ages (Sonhando com a Idade Média, tradução nossa) no qual o autor utilizaria o termo neomedievalismo, previamente utilizado com o intuito de definir um fenômeno observável de contínuo retorno à Idade Média em múltiplos âmbitos: do social, do literário, ao cinema, a política, aos estudos acadêmicos, entre outros. Nesta conjuntura, o termo neomedievalismo é empregado com o objetivo de definir uma nova onda de interesse e maneiras de se relacionar com o medieval, como um fenômeno cultural de contínuo retorno da sociedade contemporânea à Idade Média.
O ensaio de Umberto Eco, apesar de ter questões próprias que podem ser debatidas, fornece um pioneirismo no entendimento do crescente fenômeno de um renovado interesse em torno da ideia de medieval em seu tempo. Além de identificar dentro deste, interesses que variam do romântico, tradicionalista, de revisitação irônica, político e ideológicos, quanto reconstrução filológica em torno do entendimento de Idade Média. A perspicácia analítica de Eco constituiria as raízes do que posteriormente concretizaria no campo de estudos neomedievalistas, ou medievalistas, que tem como fonte de pesquisa este interesse e contínuo retorno, no formato de apropriações e representações, do que se entende como medievo.
Essa retomada da Idade Média, em um caráter quase nostálgico já se inicia a partir do momento, em uma perspectiva temporal, no qual o dito período medieval se encontra no passado e não no presente, segundo Umberto Eco. Entretanto, um ponto a ser evidenciado dentro desta argumentação é que, a contínua retomada da Idade Média também implicaria a percepção de que esta nunca acabara, visto que sua permeação no imaginário coletivo e participação contínua produziria efeitos transformativos na construção cultural moderna e contemporânea. Dentro desta perspectiva de retomadas, reconstruções no campo sociocultural e político, Eco busca diferenciar esta retomada medieval de outro elemento, também, de retomada, o qual o autor define como “classicismo”, como um retorno contínuo a antiguidade clássica.
A diferenciação entre o classicismo e o neomedievalismo constitui-se na percepção de que o medievalismo nunca fora reconstruído, ou remendado desde seu princípio. Mas como algo que é constantemente revisado e reapropriado em partes separadas para múltiplos fins, então nunca se constitui como completo, diferente do classicismo que é percebido como um fenômeno já acabado e cujas reverberações acabam por passar pela lente do medievalismo de maneira direta ou indireta, em uma perspectiva colonizada e linear de progresso histórico. Tal percepção se mostra perceptível ao retornarmos a compreensão de Fitzpatrick (30) acerca do neomedievalismo nas retomadas e reconstruções contemporâneas da Idade Média. Por fim, retornando à diferenciação nas apropriações do classicismo e do neomedievalismo, perceptível no trecho:
“On the contrary, the Middle Ages have never been reconstructed from scratch: We have always mended or patched them up, as something in which we still live. We have cobbled up the bank as well as the cathedral, the state as well as the church. We no longer dwell in the Parthenon, but we still walk or pray in the naves of the cathedral.” (Ao contrário, a Idade Média nunca foi reconstruída do zero: sempre a consertamos ou remendamos, como algo em que ainda vivemos. Reconstruímos o banco assim como a catedral, o estado e a igreja. Não moramos mais no Partenon, mas ainda caminhamos ou rezamos nos cernes da catedral. Eco, tradução nossa; 61)
Os estudos neomedievalistas, portanto, podem ser delineados pelas múltiplas associações contemporâneas entre o tempo presente e um entendimento particular e específico sobre a Idade Média. Neste entendimento, Eco associara o neomedievalismo à grande variedade de elementos na contemporaneidade com os quais o tempo presente se relacionava, reapropriava, compreendia e buscava “reproduzir” a dita “Idade Média.” De parques temáticos como a Disneylândia, ou desenhos animados, ao “neofeudalismo de arranha-céus que separava novos senhores dos novos servos com acesso apenas aos andares inferiores” segundo (Altschul et al. 6). Um ponto a ser evidenciado sobre o neomedievalismo como campo de estudo configura-se nas relações e apropriações do medievo em dimensões múltiplas, conforme (Eco 62-66), de retomadas tradicionalistas – perceptível em apropriações políticas – até as denominações mais lúdicas e romantizadas do período. Conforme sintetizado no artigo “O que é o neomedievalismo?”.
A nomenclatura de Eco, ele próprio um acadêmico dedicado à idade média, claramente separava entre o medievalismo, como área de estudo dedicada aos materiais do chamado período histórico medieval, e o neomedievalismo, como uma área de temática pós-medieval a qual abrange uma ampla gama de produções culturais, artísticas e teóricas. (Altschul et al. 6)
Uma característica, aqui ressaltada, dentro do campo do neomedievalismo é de que este não se resume à percepção de “continuidades” do “passado” no tempo presente em aspectos culturais, mas sim as múltiplas relações ambivalentes com a Idade Média construídas a posteriori. Relações presentes em âmbitos sociopolíticos e culturais, em uma conjugação mútua, e marcadas pelas precondições do pós-moderno e sua relação intrínseca com os estudos medievais; constituindo o neomedievalismo como um campo de estudo em constante movimentação e articulação.
Um questionamento, entretanto, paira acerca do campo de estudo neomedievalista em países que não viveram a “Idade Média histórica” propriamente dita. Neste sentido, é possível refletir sobre este tópico relacionando-o com acontecimentos recentes. Retornando ao episódio do “cavaleiro” da Lux Brasil, no portal Youtube. Nesta transmissão, podemos observar uma pessoa em cima de um cavalo branco cavalgando em campos verdes ao som da composição Baptista de Mello da Banda do Corpo de Bombeiros do Distrito Federal. No vídeo, o suposto “cavaleiro” convocaria os “patriotas” para comparecem a uma manifestação política que ocorreria em 15 de março do mesmo ano. Uma das vias de interpretação e compreensão da estética “medieval”, o clamor “patriota”, pode ser compreendida, pelas vias do neomedievalismo, na seguinte passagem de Umberto Eco acerca das múltiplas Idades Médias que coexistem na contemporaneidade e seu uso na construção de uma identidade nacional: “The Middle Ages of national identities, so powerful again during the last century, when the medieval model was taken as a political utopia, a celebration of past grandeur, to be opposed to the miseries of national enslavement and foreign domination.” (A Idade Média das identidades nacionais, tão poderosa novamente durante o século passado, quando o modelo medieval foi tomado como uma utopia política, uma celebração da grandeza do passado, para se opor às misérias da escravidão nacional e da dominação estrangeira. Eco, tradução nossa; 64).
A afirmação de Umberto Eco referência o emprego político-cultural em torno da Idade Média, em específico na construção e na representação de identidades nacionais. Neste sentido, evidenciamos a articulação possível, presente no campo do neomedievalismo, entre os empregos e releituras da Idade Média com o verbete de (Amalvi 601-606). Em específico, percebemos uma articulação e nos usos político-culturais arbitrários, de forma conjugada, do medievo no intuito de estabelecer uma espécie de “gênese” de nações, em um esforço de estabelecer legitimação de determinado discurso político. Tal entendimento sendo capilarizado por Amalvi ao trabalhar com o romantismo do século XIX, o culto nacional de Joana D’Arc, e sua canonização tardia, e a Idade Média no século XX, e os exemplos da ‘Batalha no Gelo’ retomada por Stalin, entre outros. Tais exemplos sendo representações deste emprego e releitura em torno da Idade Média.
No âmbito do neomedievalismo, enquanto os usos político-culturais não se apresentam como a única interpretação, estes se mostram rotineiramente presentes à vista do caso do “cavaleiro” da Lux Brasil e o emprego do medieval, na conjuntura brasileira, poderia ser também visto como um esforço de se conectar com um suposto passado europeu por meio desta. Enquanto tal episódio não é objeto proposto de análise desta pesquisa, usamos como exemplo para evidenciar as potencialidades do neomedievalismo como lente teórica para análise em países sem medievo. Porém, uma pergunta sobre tal acontecimento ainda paira: por que o uso do “medieval” em tal contexto?
A profundidade desta problemática se encontra justamente na ambivalência do conceito de Idade Média nestes casos. Podemos retomar o artigo de (Altschul et al. 9), quando os autores – abordando um episódio recente sobre uma frase dita pelo presidente argentino em visita oficial do primeiro-ministro espanhol – reconhecem um esforço em países fora do centro hegemônico em se inserir nestes discursos na tentativa de estabelecer um “resquício medieval” com a Idade Média histórica e, em nossa percepção, consequentemente com uma “herança europeia”. O que torna importante a sua abordagem e, consequentemente uma das razões para o campo de estudo neomedievalista ao buscar descortinar os véus da colonialidade. Este discurso mobilizador tem, em seu cerne, aspectos sobre as origens latino-americanas e a busca por origens e dimensões herdeiras de uma cultura europeia que teria sido transferida dos barcos para a colônia. Estabelecendo, assim, uma conexão com o medievo, este sendo um denominador comum temporalizado. A perspectiva colonizada sobre o medievo nas Américas pode ser observada na seguinte passagem do livro “A civilização feudal. Do ano mil à colonização da América” do historiador, e aluno de Jacques Le Goff, Jérôme Baschet:
Uma visão histórica mais global deveria, inevitavelmente, reconhecer o peso de uma dominação colonial surgida da dinâmica ocidental, que conduz à transferência e à reprodução de instituições e de mentalidades europeias, mas sem ignorar que uma realidade original, irredutível a uma repetição idêntica, toma forma nas colônias do Novo Mundo. (Baschet 32)
Tal perspectiva, desta forma, propõe uma percepção de continuidade histórica a partir do medievo, tendo a Idade Média como um temporizador comum entre as civilizações nos trópicos. Esta percepção da relação entre o medieval e o moderno por cunho de uma perspectiva de temporalização, que se mostra evidente no esforço de estabelecer uma relação entre a colonização e a ideia de medieval conforme ilustrado na obra de Baschet, estabelece uma questão presente no campo de estudos medievais. Esta questão se reproduz no Brasil, a figura de exemplo, através da obra de Hilário Franco Júnior em “Raízes Medievais do Brasil” (80-104). Tais exemplos evidenciam um esforço presente na historiografia de compreender diversos aspectos culturais, sociais e políticos, estabelecendo – assim – uma relação de “res”: retomada, reconstrução, reinterpretação ou, até, como algo residual advindo da Idade Média.
O neomedievalismo, como campo de estudos, se insere justamente neste eixo que busca compreender estes múltiplos esforços em buscar estabelecer uma conexão entre Idade Média com países que não a tiveram propriamente dita. O campo se insere no âmbito do estudo, da análise e da elucidação de tais reproduções interpretadas como medievais, sendo a Idade Média, neste caso, uma categoria simbólica mobilizada para múltiplos usos e, portanto, de análise. Mesmo que não necessariamente vinculadas a um tempo medieval, sejam entendidas como tais e as razões em torno deste discurso mobilizador vinculante a Idade Média. (Bertarelli and Amaral 2-3).
Ou seja, o que buscamos, com a breve exemplificação de alguns discursos mobilizadores e sua articulação com a lente do neomedievalismo, é evidenciar a amplitude horizontal do campo de estudos. Enquanto em alguns discursos pode-se perceber uma mobilização que acaba reproduzir um ideal colonial de homogeneização do tempo, em outros acreditamos que seja apenas uma reprodução colonizada de um suposto excepcionalismo europeu e o desejo de se ver parte disso. Como exemplo, podemos observar, brevemente, a série “documental” intitulada “Brasil: A Última Cruzada”3 da produtora Brasil Paralelo, no qual se estabelece uma conexão desde as Cruzadas na Idade Média até a Era Vargas, utilizando-se de uma de uma temporalização eurocêntrica e de matriz cristã. Conforme evidenciado pelos historiadores Everton de Oliveira Moraes4 e Murilo Prado Cleto5: “Os seis episódios de Brasil: a Última Cruzada, a produção aqui escrutinada, tentam dar conta dessa tarefa que procura estabelecer um fio condutor das Cruzadas até a Era Vargas” (Moraes and Cleto 4). Neste sentido, o que podemos perceber, por fim, é uma perpetuação, uma ferida produto da violência metafísica inaugurada pela “descoberta” das Américas que, em diálogo com (Maldonado-Torres 49), tem como produto a colonialidade do saber e do ser como uma das possíveis respostas aos exemplos supramencionados.
A reprodução e a tentativa de afirmações de instituições e de mentalidades europeias configuram-se como consequência do processo de dominação colonial que carrega, em seu cerne, uma colonização epistemológica. Não obstante, o neomedievalismo encontra-se, neste eixo, como um dos possíveis horizontes de estudo em um esforço decolonial de análise e compreensão destas práticas “medievais” em conjunturas no qual a Idade Média não se mostrara presente, como no caso brasileiro. Podendo compreendê-las como produções originais, fruto e uma antropofagia cultural que tem sua inspiração no medievo, mas não estabelece nenhuma relação de resquício com este. O neomedievalismo por fim, como horizonte de estudos, poderia ser sintetizado na seguinte passagem: “um dos caminhos tomados pelo neomedievalismo é pensar os usos do passado medieval em sociedades que não o possuíram e assim demonstrar a relação entre o neomedievalismo e a teoria pós-colonial, descortinando o véu dos nossos próprios dragões” (Altschul et al. 14).
Neste sentido, a partir do neomedievalismo, buscamos a elucidação de perguntas acerca do uso local do “medieval” e das funções que este uso tenha exercido em um cenário específico, atentando-se as seguintes prerrogativas: Qual sua função? Com quais efeitos a Idade Média foi empregada? Quais motivos levaram para a percepção de determinados elementos como “medievais” em época e local específico? (Grzybowski and Altschul 26) A partir do esclarecimento do neomedievalismo como campo de estudos, desde discursos mobilizadores, práticas que remetem a uma montagem e remontagem da categoria simbólica da Idade Média, podemos compreender a Artes Marciais Históricas Europeias como uma das expressões de neomedievalismo na contemporaneidade. O próximo tópico buscará elucidar a prática da esgrima histórica como objeto de estudo e expressão de neomedievalismo a partir das suas características e história das revitalizações da prática.
2. Artes Marciais Históricas Europeias – algumas observações
A imagem acima faz referência a um dos primeiros registros que se tem de um manual de luta (fetchbutch). Em específico falando do “I.33”, ou Manual de Luta de Walpurgis, que se encontra no Royal Armouries Museum em Leeds na Inglaterra. O documento contém diversas técnicas de espada e broquel, uma das diversas armas utilizadas em lutas, para estudo e concretização da prática que consiste no amálgama das Artes Marciais Históricas Europeias.
Com manuais datados desde o século XIII em diante, englobando até manuais de combate do século XVII ao XVIII, conforme observado pelo historiador Daniel Jaquet6 na seguinte passagem: “From 1305 to the turn of the eighteenth century, this heterogeneous corpus is composed of more than 300 sources (manuscripts and prints), in all of the main European languages. In fact, this corpus has yet to be fully organized and standardized bibliographically, or even comprehensively (and conveniently) listed.” (De 1305 até a virada do século XVIII, este corpus heterogêneo é composto por mais de 300 fontes [manuscritos e impressos], em todas as principais línguas europeias. Na verdade, esse corpus ainda não foi totalmente organizado e padronizado bibliograficamente, ou mesmo listado de forma abrangente [e conveniente]; Jaquet, “Martial Arts by the Book”, tradução nossa; 43). As HEMA, logo, estão alicerçadas na interpretação destas fontes manuscritas e iconográficas e sua tradução, montagem ou remontagem, em prática.
Os movimentos de revitalização, ou tradução em prática, destas artes marciais, ademais, ocorreriam em três momentos distintos. Neste sentido, em um esforço para situar o atual momento de revitalização das HEMA historicamente, buscaremos a elucidação destes neste tópico. Porém, em primeiro âmbito, iremos abordar as características da prática das HEMA, isto é, sua relação com o corpus técnico-literário dos manuais de luta (Fechtbücher no plural e Fechtbüch no singular) e, em seguida, buscaremos situar historicamente o atual movimento de revitalização da prática das Artes Marciais Históricas Europeias.
2.1. Artes Marciais Históricas Europeias – características e horizonte de estudo
Ao abordarmos a prática das HEMA, a característica principal se encontra justamente no eixo interpretativo do Fechtbücher (manuais de luta), fontes primárias manuscritas e iconográficas, e nos desafios inerentes a esta interpretação e tradução. Conforme evidenciado por Daniel Jaquet, a socióloga Audrey Tuaillon-Demésy7e o pesquisador Iason-Eftherios Tzouriadis8 em “Historical European Martial Arts: an international overview” (Artes Marciais Históricas Europeias: uma visão geral internacional, tradução nossa). Em diálogo, o historiador, e praticante das HEMA, Brian R. Price, elabora sobre esta característica em seu artigo de 2015, “A Proposed Methodology for the Validation of Historical European Martial Arts Reconstructions” (Uma Metodologia Proposta para Validação das Reconstruções das Artes Marciais Históricas Europeias, tradução nossa). A partir do entendimento das HEMA como uma arte marcial extinta, sem uma tradição viva, o maior desafio se encontra na superação dos desafios a interpretação dos manuais de luta. Sobre estes, Price os compreende como: “The books are essentially mnemonic devices, memory-cues probably designed originally for students already versed in the martial arts they depict.” (Os livros são essencialmente dispositivos mnemônicos, pistas de memória provavelmente projetadas originalmente para estudantes já versados nas artes marciais que retratam. Price, tradução nossa; 64)
Ou seja, para Price, o desafio interpretativo dos documentos é tido como um dos maiores obstáculos em níveis linguísticos, físico-técnicos e táticos (Price 64). Compreender semanticamente e tecnicamente as técnicas expressas nos manuais de luta e sua tradução na forma prática não se configuraria como suficiente. Para o autor, é necessário compreender a dimensão tática inerente às técnicas expressas nos manuais de luta. Conforme o autor expressa no seguinte trecho sobre a interpretação das HEMA em prática e sua carência de metodologia clara: “Each interpreter must, of necessity, work with the historical arts on four levels; the linguistic, technical or physical, the pedagological, and the tactical. Each of these types of translation is, of necessity, interpretative; an individual expression of the historical record.” (Cada intérprete deve, necessariamente, trabalhar com as artes históricas em quatro níveis; o linguístico, técnico ou físico, o pedagógico e o tático. Cada um destes tipos de tradução é, necessariamente, interpretativo; uma expressão individual do registro histórico. Price, tradução nossa; 67) Neste sentido, remetendo a uma percepção que compreendemos como articulada à ideia do recriacionismo histórico. Sobre este conceito, levantamos o entendimento de João Batista da Silva Porto Júnior no artigo “Os Vikings invadem o Brasil no século XXI: o neomedievalismo dos movimentos de recriação histórica nórdica nos trópicos” acerca do recriacionismo histórico como: “...uma prática educativa lúdica, que tem por objetivo recriar peças/elementos artísticos e/ou alguns aspectos socioculturais de um determinado período ou evento, formulando um conceito dinâmico de pesquisa histórica, ao invés de apenas apresentar fragmentos de uma época.” (Porto Júnior 229).
Retomando o desafio interpretativo das Artes Marciais Históricas Europeias, Daniel Jaquet trabalha em seu artigo intitulado Martial Arts by the Book Late Medieval and Early Modern European Martial Arts (Artes Marciais no Livro: Artes Marcias Europeias do Final da Idade Média e Início da Modernidade, tradução nossa) com uma visão geral acerca do corpus técnico-literário utilizado, contemporaneamente, na prática. Enquanto o capítulo em questão não se inicia com a abordagem em torno da HEMA, o estudo em cima do corpus técnico-literário inevitavelmente escoa na prática contemporânea das Artes Marciais Históricas Europeias, evidenciando problemáticas na interpretação dos manuais de luta em papel, uma vez que, conforme o autor: “In this sense, the embodied knowledge of martial arts and combat skills is communicated through bodies in practice.” (Neste sentido, o conhecimento incorporado de artes marciais e habilidades de combate são comunicados por meio dos corpos na prática”. Jaquet, “Martial Arts By the Book”, tradução nossa; 43).
O manual de luta como intermediário pedagógico de artes marciais é percebido, neste sentido, como um veículo imperfeito e Jaquet os categoriza em três níveis: inscrição, ou a documentação da prática sem intenção didática. Descrição, os manuais cuja documentação da prática demonstra intenção didática. Por último, codificação, no qual a prática é documentada de maneira críptica, codificada de tal forma que deve ser interpretava por meio de uma inserção no âmago histórico do material. As elaborações propostas por Price e Jaquet, desta forma, reforçam a característica central das HEMA: sua relação com fontes primárias manuscritas e iconográficas. Estes trabalhos evidenciam, também, caminhos que são percebidos pelos autores como formas de se superar estes desafios por meio da via histórica, neste sentido, para Price, temos o recriacionismo histórico e para Jaquet, o living history (história viva, tradução nossa).
Ambos implicam, em parte, uma imersão histórica com adaptações contemporâneas para interpretação das técnicas, retirando-as do papel e interpretando-as em um formato prático, com os corpos. Sobre as Artes Marciais Históricas Europeias como prática, a obra “Historical European Martial Arts: an international overview” nos traz uma oportuna síntese: “HEMA practitioners have developed their own subculture, based on a constructed identity (practicing martial arts from the past, based on the study of fight books, and without period costumes).” (Os praticantes das HEMA desenvolveram sua própria subcultura baseada em uma identidade construída [praticar artes marciais do passado baseadas no estudo de manuais de luta e sem indumentária de época]; Jaquet et al. “Historical European Martial Arts: an international overview”, tradução nossa; 18).
Esta relação entre as HEMA e sua dimensão histórica, isto é, o sentido presente na letra H, de Historical, que compõe o acrônimo da prática não se trata de uma característica nova relativa à esgrima histórica. Ao contemplarmos o artigo de Daniel Jaquet, Claus Frederik Sørensen9 e Fabrice Cognot10, entitulado “Historical European Martial Art: a crossroad between academic research, martial heritage re-creation and martial sport practices” (Arte Marcial Histórica Europeia: uma encruzilhada entre a investigação acadêmica, a recriação do patrimônio marcial e as práticas desportivas marciais, tradução nossa). Os desafios interpretativos e a dimensão histórica da prática contemplam justamente seu aspecto investigativo empenhado por alguns praticantes no intuito de concretizar a prática das HEMA devido a sua inerente relação com os manuais de luta (documento históricos) e o seu estudo (interpretação e tradução em prática). (Jaquet et al. “Historical European Martial Art: a crossroad”; 6) Contudo, torna-se primordial constatarmos a característica – em diálogo com Jack Gassman, Jürg Gassman e Dominique Le Coultre 11 no artigo Fighting with the Longsword: Modern-day HEMA practices (Lutando com a Espada Longa: Práticas Modernas de HEMA, tradução nossa) – sobre as HEMA não serem inerentemente pesquisa acadêmica, mesmo que possam ter, como produto, resultados relevantes à pesquisa acadêmica mediante as perspectivas e abordagens necessárias, conforme expresso no seguinte excerto:
Ultimately, HEMA is an activity sui generis – it is not academic research or experimental archaeology. Whether or not HEMA yields academically relevant results is a question to be asked by academic specialists, applied to a specific hypothesis and tested with the tools of the academic discipline. This will remain possible so long as HEMA as a practice remains committed to the Fechtbücher as source, inspiration and touchstone for its reconstructions. (Em última análise, HEMA é uma atividade sui generis – não é pesquisa acadêmica ou arqueologia experimental. Se o HEMA produz ou não resultados academicamente relevantes é uma questão a ser feita por especialistas acadêmicos aplicada a uma hipótese específica e testada com as ferramentas da disciplina acadêmica. Isto continuará a ser possível enquanto a HEMA, como prática, continuar comprometida com o Fechtbücher como fonte, inspiração e critério para as suas reconstruções. Gassmann et al, tradução nossa; 131)
A ponte entre o neomedievalismo e as Artes Marciais Históricas Europeias, portanto, encontra-se na forma com qual a prática, contemporânea, escuta os ruídos de um tempo histórico. O recriacionismo histórico, entendido como uma atividade educativa lúdica que busca resgatar elementos socioculturais de um determinado período ou evento. E a história viva, compreendida como reativações do passado no presente por meio de uma perspectiva em torno das práticas corporais. Ambos se enquadram, logo, como conceitos centrais nesta relação entre o neomedievalismo e a Artes Marciais Históricas Europeias, ressaltando outra característica de fundamental importância: a vivência prática. Sobre ambos os conceitos, João Batista da Silva Porto Júnior, os contempla como: “Tanto a recriação histórica quanto a história viva, quando relacionadas ao tradicional recorte temporal da dita Idade Média, podem ser consideradas expressões emblemáticas do campo de estudos ou categorias de análise do neomedievalismo.” (Porto Júnior 227).
Ou seja, as HEMA não se limitam ao estudo teórico, e sim em uma articulação entre estudo e prática contemporâneos, no qual as técnicas dispostas nos manuais de luta precisam ser concretizadas no âmbito de uma arte marcial revitalizada. Os dois conceitos, portanto, remetem a um conceito central no trabalho: o de Idade Média, também sendo a compreensão basilar do neomedievalismo, isto é, a Idade Média não apenas como um tempo histórico, mas como um conceito que vem a ser reutilizado, relido, reinterpretado, reapropriado, remontado, entre outros “res”. Justamente neste eixo da Idade Média e da prática que tentaremos propor uma abordagem, com base na compreensão de Néstor Garcia Canclini sobre a hibridização de fenômenos contemporâneos e sua “entrada” e “saída” da modernidade no último tópico. A seguir, buscaremos situar historicamente os movimentos de revitalização das HEMA e sua inserção no Brasil.
2.2. Artes Marciais Históricas Europeias – uma breve história
As Artes Marciais Históricas Europeias conforme expresso por (Jaquet et al. “Historical European Martial Arts: an international” overview”, 14-17) podem ser compreendidas a partir de três ondas distintas de revitalização. O movimento de revitalização contemporâneo, correspondente ao terceiro momento de revitalização e alçado como horizonte de pesquisa deste artigo, das HEMA teria suas origens nas duas últimas décadas do século XX, com raízes específicas na década de 1990. Sobre o momento atual, os autores situam-no da seguinte maneira:
The development of Historical European Martial Arts (HEMA) has its roots in the 1990s when the widespread idea that Asia was the cradle of all global martial arts started being challenged. This movement started as an isolated underground cultural practice, and developed into a global movement which is starting to seek institutional recognition (from sporting, cultural, and academic organizations). (O desenvolvimento das Artes Marciais Históricas Europeias (HEMA) tem as suas raízes na década de 1990, quando a ideia generalizada de que a Ásia era o berço de todas as artes marciais globais começou a ser desafiada. Este movimento começou como um movimento de prática cultural isolado e underground, e se desenvolveu em um movimento global que está começando a buscar reconhecimento institucional (de organizações desportivas, culturais e acadêmicas). (Jaquet et al. “Historical European Martial Arts: an international overview”, tradução nossa; 7)
As ondas antecedentes de revitalização das HEMA, conforme evidenciado pelos autores supramencionados e presente no trabalho monográfico de Matheus Rebel de Siqueira Acha Gomes12, “A Esgrima Cênica através dos séculos: a representação cênica da esgrima através dos séculos”, pela Universidade Federal Fluminense (UFF), podem ser delineadas a partir de três movimentos de revitalização. O primeiro, evidenciado pela sua brevidade e intencionalidade na revitalização da prática das artes marciais históricas europeias, situado em meados do século XVI, pode ser mapeado a partir do mestre esgrimista Paulus Hector Mair.
A revitalização norteada por Mair, se torna de grande relevância pela explicita intencionalidade exposta pelo próprio em seu trabalho de dois volumes acerca da intenção de registrar e reviver artes marciais passadas. Utilizando do seu próprio acervo de manuais de luta como base de conhecimento, assim como da sua profissão como funcionário público da cidade de Augsburg. A partir deste acervo de manuais de luta e sua posição na cidade, Mair utilizaria e organizaria eventos públicos, como competições e torneios de esgrima voltados para a prática. Além de contratar dois esgrimistas para reproduzirem as técnicas de luta do último século, presentes nos manuais de seu acervo.
Apesar de outros autores posteriores a Mair mencionarem uma linhagem marcial que iria, supostamente, até o século XV; poucos teriam escrito de maneira tão explícita a intencionalidade na revitalização das artes marciais entendidas como “passadas” o que afirmaria a excepcionalidade de Mair na revitalização das HEMA, conforme evidenciado no seguinte trecho: “Later authors also referred to a martial lineage going back as far back as the fifteenth century, as an authoritative criterion asserting the validity of their teachings. Few, however, wrote as explicitly as Paulus Hector Mair did. He is therefore an exception.” (Autores posteriores também se referiram a uma linhagem marcial que remonta ao século XV, como um critério de autoridade afirmando a validade de seus ensinamentos. Poucos, no entanto, escreveram tão explicitamente quanto Paulus Hector Mair. Ele é, portanto, uma exceção. Jaquet et al. “Historical European Martial Arts: an international overview”, tradução nossa; 15).
A segunda onda de revitalização, e de considerável maior extensão que a antecessora, circunscreve a revitalização das HEMA que ocorrera ao final do século XIX. Mediante uma conjuntura de crescente interesse somado ao novo conceito de esportes promulgado pelas Olimpíadas. Tem-se o tópico da história dos esportes e a importação de artes marciais advindas do oriente, em específico do Japão, estabelecendo o amálgama de Asian Martial Arts. Em contrapartida a esta conjuntura, diversos praticantes de artes marciais e acadêmicos direcionariam os seus interesses ao tópico das tradições marciais europeias, inaugurando o início da revitalização das HEMA neste período. O qual pode ser observado no seguinte excerto:
“…at the very end of the century [19th], Asian martial arts, especially Japanese martial arts, were imported to Europe. Diverse mechanisms of acculturation or rejection led scholars and martial arts practitioner to revive past traditions of European martial arts. Collectors, fencers, and historians of fencing in several European countries developed an interest in European martial arts. The first historians of fencing published facsimiles and editions of earlier fight books.11 Some were more inclined to reconstruct and perform with a sword in hand. A famous example is Egerton Castle (1858-1920), an English author, and collector, who often performed in London with his friend Captain Alfred Hutton (1839-1910), author, captain of the King’s Dragoon Guard, and Olympic fencer (Anglo 2008). Similar figures can be found in Germany, France, Italy, and Eastern Europe.” (...no final do século [19], as artes marciais asiáticas, especialmente as artes marciais japonesas, foram importadas para a Europa. Diversos mecanismos de aculturação ou rejeição levaram estudiosos e praticantes de artes marciais a reviver as tradições passadas das artes marciais europeias. Colecionadores, esgrimistas e historiadores da esgrima em vários países europeus desenvolveram um interesse pelas artes marciais europeias. Os primeiros historiadores da esgrima publicaram fac-símiles e edições de livros de luta anteriores. Alguns estavam mais inclinados a reconstruir e atuar com uma espada na mão. Um exemplo famoso é o Egerton Castle (1858-1920), autor e colecionador inglês, que frequentemente se apresentava em Londres com seu amigo Capitão Alfred Hutton (1839-1910), autor, capitão da Guarda do Dragão do Rei e esgrimista olímpico 2008). Números semelhantes podem ser encontrados na Alemanha, França, Itália e Europa Oriental. 15)
Tal revitalização, entretanto, encontraria sua interrupção com o estopim das guerras mundiais no século XX. A retomada do movimento de revitalização da esgrima histórica teria começo, por fim, nas últimas duas décadas do século XX, em específico, nos relatos dos clubes e práticas mais longevas retomando os finais dos anos 1980, curiosamente os grupos de praticantes de esgrima histórica, neste período, reuniam-se de maneira remota o que torna difícil a delimitação de um grupo específico como pioneiro. Também, neste período, se tem a aplicação de múltiplos acrônimos a fim de referenciar a esgrima histórica, antes desta ser denominada como tal. Em específico, no caso dos Estados Unidos, é possível observar o emprego do termo Western Martial Arts (Artes Marciais Ocidentais), em um esforço de diferenciar a esgrima histórica, e outras artes marciais, das compreendidas como Asian Martial Arts (Artes Marciais Asiáticas)13, em figura semelhante a revitalização extensiva do século XIX e início do XX. Outra questão também presente na incipiência da revitalização da esgrima histórica se mostra presente no intuito de evitar o emprego da terminologia “europeia” uma vez que, inicialmente, a revitalização das HEMA teria ocorrido fora da Europa.
A prática das HEMA teve sua terceiro movimento de revitalização com início perceptível a partir da segunda metade do século XX, a partir da disponibilização e trabalhos de tradução dos manuais de luta, como a obra de Fiore dei Liberi, o manual Il Fior di Battaglia (A Flor da Batalha, tradução nossa) vendida ao museu de Getty nos Estados Unidos em 1983.14 Porém, até então, o interesse em cima dos manuais de luta era apenas teórico, com pouca preocupação acerca do aspecto mais prático das artes marciais contidas nos manuscritos. Posteriormente, a prática iria consolidar-se e difundir-se a partir de comunidades de praticantes em âmbito internacional no final da década de 1990 e início dos anos 2000. Publicações amadoras e científicas começariam a surgir construindo um campo de pesquisa sobre HEMA. A prática das HEMA, por fim, concretizar-se-ia, também, devido ao trabalho pioneiro e interesse demonstrado por recriacionistas históricos a partir dos anos 1960, conforme evidenciamos na seguinte passagem:
Also noteworthy is the involvement of a general audience from within communities of re-enactment since the 1960s, which do not follow the same objectives nor methods as HEMA practitioners, but who re-enact daily life with a strong interest in militaria aspects. Stage fighters, HEMA practitioners, re-enactors and even some scholars play with swords, but they certainly do not aim to achieve the same thing or practice according to the same pattern or methodologies as one another. (Também digno de nota é o envolvimento de um público geral de comunidades de “recriacionismo” desde 1960, que não seguem os mesmos objetivos nem métodos dos praticantes de HEMA, mas que reencenam a vida cotidiana com um forte interesse em aspectos militares. Lutadores de palco, praticantes de HEMA, reencenadores e até mesmo alguns estudiosos brincam com espadas, mas certamente não visam alcançar a mesma coisa ou praticar de acordo com os mesmos padrões ou metodologias que os outros. (Jaquet et al. “Historical European Martial Art: a crossroad”, tradução nossa; 7-8)
Neste eixo, vale ressaltar dois pontos importantes no desenvolvimento e expansão destas artes marciais. Em primeiro lugar, consonante com (Jaquet et al. “Historical European Martial Arts: an international overview”, 13-17), os anos de 2001-2003 podem ser observados como o recorte no qual o termo HEMA, atualmente o termo de maior recepção ao se referir a interpretação das fontes das artes marciais históricas europeias, tivera sua cunhagem. Em tom semelhante, em 2001, destaca-se a formação da Historical European Martial Arts Coalition (HEMAC), seguindo a dinâmica dos encontros europeus sobre esgrima histórica, inicialmente, constituiu-se a partir de uma lista de e-mails, depois um fórum, posteriormente um website e, por fim, um grupo no facebook, utilizado como uma forma de reunir e facilitar a comunicação entre praticantes destas artes.
Posteriormente, tem-se a fundação de duas organizações guarda-chuva, delineadas pela International Federation of Historical European Martial Arts, em 2010, na Europa. Em 2014 – em tom semelhante nos EUA – se destaca a formação da Historical European Martial Arts Alliance (HEMA Alliance). Com relação à primeira das organizações citadas, apesar da denominação internacional, ainda se configura como – majoritariamente – uma organização europeia, marcando uma característica da prática das HEMA, a interpretação e representação heterogênea. Sobre isto, em consonância com os autores (43), enquanto é perceptível esforços no intuito de reunir em uma única organização a fim de estabelecer maior unidade na comunidade de praticantes e no movimento de reconstrução e revitalização das HEMA, ainda não é possível afirmar a concretização desta visão.
No caso brasileiro, podemos recorrer as plataformas de bibliografia participativa, como o anteriormente mencionado Projeto Harpia. E as produções autorais de praticantes brasileiros das HEMA como o caso dos Guias de Treino para prática das HEMA disponibilizados em 2014 e 2023, respectivamente. Neste âmbito, podemos recorrer à segunda edição deste guia, de 2023, e de autoria de Guiarony Moreira Machado, no trecho que buscam documentar a história das HEMA no Brasil. (Machado, “Guia de Treino: Das Artes Marciais” 26-30)
A prática das HEMA no Brasil, logo, recorrendo a estes registros, dispomos de três gerações de praticantes de HEMA no Brasil. A primeira geração, que pode ser traçada dos anos 90 até a primeira década dos anos 2000, utilizou de ferramentas virtuais como de comunidades na antiga plataforma Orkut para se organizarem e compartilharem o interesse pelo tópico. Neste caso, a comunidade “Esgrima Medieval” criada por Bruno Cerkvenik, que posteriormente fundaria o grupo de hemaístas (este sendo um termo aplicado pelos próprios como uma definição, em âmbito nacional, de praticantes das HEMA) “Ars Gladiatoria” no Paraná. Outros grupos como o “Sistema de Combate e Artes Marciais Medievais Históricas” (SCAM) criado em Florianópolis por Anderson Tsukiyama também são mencionados. Por fim, podemos traçar até esta primeira geração a presença de Guiarony Moreira Machado, fundador da Sociedade de Combate Histórico, Estudo e Recriação Medieval em Armas (SCHERMA) e autor do Guia de Treino, assim como de outras iniciativas relacionadas à prática das Artes Marciais Históricas Europeias no Brasil, como o Projeto Harpia e a fundação, em final de 2014, e reconhecida em 2015, da organização HEMA Brasil (Machado, “Guia de Treino: Das Artes Marciais” 28). Um ponto a ser observado nesta primeira geração é o caráter de recriacionismo histórico presente no âmbito da prática, ainda relativamente distante de um esporte de combate ou arte marcial.
A segunda geração de hemaístas no Brasil, em contrapartida, já dispunha de uma maior quantidade de materiais traduzidos e acessibilidade às fontes para a prática que teriam sido, majoritariamente, disponibilizadas a partir da primeira geração. Desta segunda, destacamos o surgimento de grupos a partir de 2012 como: Karlbrüder, criada, em 2015, em São Carlos – SP, Ordem do Grifo de Fogo, criada, em 2014, em Curitiba – PR, e Armizare Esgrima Histórica criada, em 2017, em Niterói-RJ. Também é nesta geração que temos a criação de organizações com norteadores regionais ou nacionais como a Federação Paulista de Esgrima Histórica, em 2014, e a supramencionada HEMA Brasil. Por fim, a terceira geração remete ao final da segunda década dos anos 2000, com a criação de outros grupos de hemaístas e de estudo, como a Academia de Esgrima Histórica Carioca no Rio de Janeiro. (Machado, “Guia de Treino: Das Artes Marciais” 29-30)
Assim como no cenário internacional, a HEMA no Brasil se insere e desenvolve a partir de grupos de recriacionismo histórico, tomando uma forma mais esportiva e de arte marcial conforme a atividade se expande, desenvolve e torna-se mais acessível em território brasileiro. Esta terceira onda do movimento de revitalização das Artes Marciais Históricas Europeias, portanto, configura-se, atualmente, como algo multifacetado dependendo da região e do grupo praticante, com pontos em comum na relação com as fontes históricas e os desafios interpretativos produtos da relação hermenêutica manual de luta-prática. Por intermédio, portanto, da relação e do eixo Idade Média, como conceito, e da prática das HEMA que almejaremos propor uma possível abordagem para estudo deste fenômeno por meio do neomedievalismo na conjuntura brasileira, com base na compreensão de Néstor Garcia Canclini sobre a hibridização de fenômenos contemporâneos e sua “entrada” e “saída” da modernidade no tópico seguinte.
3. As Ciências Sociais Nômades de Néstor Garcia Canclini - uma abordagem nômade para o estudo do fenômeno das Artes Marciais Históricas Europeias
O livro “Culturas Híbridas: Estratégias Para Entrar e Sair da Modernidade” do antropólogo argentino, radicalizado no México, Néstor Garcia Canclini se inicia com um questionamento acerca das estratégias existentes para entrarmos e sairmos da modernidade na contemporaneidade. Avaliando os fenômenos contemporâneos na América Latina, sobretudo, Argentina, Brasil e México, Canclini evidencia o papel dos agentes sociais e seu envolvimento com a produção percebida como culta, popular e massiva, assim como suas relações com o entendido como modernidade.
Neste âmbito, o autor propõe uma série de exemplos, assim como a contraposição entre o tradicional e o moderno; evidenciando a construção de uma cultura híbrida no qual se estabelece relações em que a modernidade é vinculada a uma pluralidade. Ressaltando as relações hegemônicas e subalternas existentes neste processo de construção e na ideia da cultura popular como algo construído. (Canclini 207)
Este eixo evidenciado por Canclini, retornando ao primeiro capítulo de sua obra, intitulado “Entrada”, em referência à entrada na modernidade. Nos apresenta uma fértil rede para reflexões acerca do neomedievalismo em países sem medievo, isto é, que não viveram a dita e fabricada “Idade Média”. Em primeira instância, podemos contextualizar a própria ideia de modernidade, conforme Canclini, o autor trabalha com a categoria, reconhecendo sua ambivalência em seu emprego, além de reconhecer a relação entre moderno e tradição como expressões e discursos de uma cosmovisão positivada. Justamente nesta inflexão, temos o apego por um passado inexistente nestes discursos positivados. No âmbito deste artigo, a busca por um medievo ou a percepção de uma “herança medieval” em uma região que não experienciou a dita “Idade Média” poderia ser percebido dentro deste eixo, além de ser o cerne da análise do neomedievalismo em países sem medievo, retomando a percepção previamente mencionada de Nadia R. Altschul e Lukas Grzybowski acerca do esclarecimento e descortinar os véus de nossos próprios dragões.
Outra ressonância, que podemos perceber, encontra-se na própria ambivalência no sentido de moderno e na ambivalência no uso da Idade Média. Nadia R. Altschul, em “Politics of Temporalization” desenvolve, especificamente, a Idade Média a partir de uma temporalização, uma antítese ao moderno, ou arauto daquilo que viria a ser percebido como moderno. A perspectiva de Altschul se mostra ressonante, por exemplo, quando observamos o artigo de John Dagenais15 e Margaret Greer16 na revista “Journal Of Medieval And Early Modern Studies” (Periódico de Estudos Medievais e Modernos, tradução nossa) no artigo intitulado “Decolonizing the Middle Ages: na introduction” (Decolonizando a Idade Média: uma introdução, tradução nossa). Neste artigo, Dagenais e Greer evidenciam como a consolidação de um império é dependente de uma colonização antagônica de um tempo histórico tido como não representante da modernidade/do império. Neste âmbito, a Idade Média ocuparia este espaço, sendo um tempo colonizado que romperia a coetaneidade na temporalização, em diálogo com a perspectiva de Altschul. Desta forma, assim como o tradicional e o moderno, para Canclini, ocorrem por expressões e discursos ambivalentes acerca destes, a Idade Média acaba sendo construída em um caminho paralelo.
Ao contemplarmos a Idade Média como conceito fecundador do campo do neomedievalismo e sua relação com a modernidade de Canclini, podemos recorrer, também, ao artigo dos historiadores Clínio Amaral e Maria Bertarelli de nome “Discursos sobre a Divina Comédia ou Temporalizações de Dante Aligheri? A Construção do Conceito de Idade Média e uma análise Decolonial por meio da teoria do medievalismo” publicado na revista acadêmica Signum, vinculada à Associação Brasileira de Estudos Medievais (ABREM). Neste artigo, os autores evidenciam a partir dos discursos acerca do poeta florentino as temporalizações realizadas em torno da Idade Média, como um período carregado de uma série de adjetivos pejorativos. Neste sentido, a partir destes discursos, evidenciamos a supramencionada quebra de coetaneidade quando, no âmbito da historiografia do século XIX, os estudos construiriam uma dissincronia temporal entre as penínsulas Itálica e Ibérica, conforme evidenciamos na seguinte passagem:
Como implicação prática disso, a historiografia, sobretudo, a partir do século XIX construirá, por exemplo, uma dissincronia temporal entre a península Itálica e a península Ibérica, a primeira a caminho das luzes do humanismo e do renascimento e a segunda a caminho da perpetuação das trevas medievais e do feudalismo, inclusive, com a sua chegada à América. (Amaral e Bertarelli 51)
Ou seja, Dagenais e Greer apontam a colonização “temporal” como um dos mecanismos empregados na construção de Império, referenciando à colonização. Altschul, Bertarelli e Amaral apontam, também, para o emprego da Idade Média como um conceito de temporalização, semelhante a conjugação entre tradição e modernidade, por intermédio de mecanismos de entrada e saída da modernidade, de Canclini. Contudo, o ponto central que pensamos na articulação entre a abordagem de Canclini e o neomedievalismo (compreendendo a Idade Média como um conceito, conforme buscamos evidenciar ao longo do ensaio), se encontra em seu sentido ambivalente na contemporaneidade. Percebemos o medieval sendo empregado como um adjetivo a fim de caracterizar uma caricatura pejorativa, não moderna, retrógrada. Entretanto, em outros sentidos, percebemos o emprego do medieval como uma legitimadora, uma representação de um passado ideal inexistente. Este último, especialmente, em espectros da extrema-direita, podemos mencionar – em méritos explicativos e retomando a um dos primeiros exemplos mencionados neste ensaio sobre apropriações do medievo – a figura do influencer Paulo Kogos.
O que percebemos, nesta arena, é a ambivalência tanto do conceito de Idade Média, quanto da Modernidade de Canclini. Logo, percebemos a abordagem nômade evidenciada pelo ator como uma ferramenta promissora no intuito de esclarecer tais fenômenos na contemporaneidade. Na análise de Canclini, o autor percebe uma hibridização entre o moderno e o não moderno, uma fluidez e conjugação entre ambos. Concomitantemente, os estudos mais recentes de neomedievalismo também evidenciam tal aspecto, um emprego do medievo não em caráter unicamente sinônimo ao retrógrado, mas também ambivalente e, às vezes, conjugado.
À guisa de exemplo, podemos recorrer novamente ao artigo de João Batista da Silva Porto Júnior, “Vikings Invadem o Brasil no Século XXI – O Neomedievalismo nos movimentos de recriação histórica nórdica nos trópicos”. Neste artigo, o autor busca compreender os movimentos de recriacionismo histórico no Rio de Janeiro, evidenciando que antes do surgimento das Feiras Medievais, o território fluminense foi objeto de um pioneirismo de recriacionismo viking. A partir de entrevistas formais e informais coletadas, Porto Júnior demonstra que o conceito de Idade Média, empregado nesta conjuntura, não fora carregado de uma perspectiva de temporalização antítese ao moderno, pelo contrário. O interesse e o emprego da Idade Média, nesta conjuntura, demonstraram-se ecléticos, variando deste o interesse midiático pelo período a um interesse religioso vinculado ao neopaganismo. Neste âmbito, assim como o tradicional e o moderno conjugam-se entre si, por Canclini, o “medievo” e o moderno também se conjugam no cerne dos fenômenos de neomedievalismo.
O breve esforço realizado no intuito de relacionar o neomedievalismo, como campo de estudos, com a obra de Néstor Garcia Canclini, identificando pontos que percebemos como ressonância entre ambos talvez se concretize pelo fato de que ambos têm como sua principal lente de estudo objetos, fenômenos contemporâneos que, em alguns casos, tem sua prática, vivência, acessível no tempo presente. Neste âmbito, a abordagem proposta por Canclini (p.19), em nossa percepção, se mostra como a principal contribuição no campo do neomedievalismo, sendo este um campo de estudo multidisciplinar pós-moderno centrado nas reapropriações do conceito de Idade Média na contemporaneidade. Desta forma, percebemos a abordagem sustentada nas hipóteses evidenciadas por Canclini como o principal mecanismo norteador em pesquisas que abordem fenômenos de neomedievalismo e cuja prática se encontre acessível, como no caso das Artes Marciais Históricas Europeias. Tal abordagem evidenciada pelo autor na seguinte passagem: “Precisamos de ciências sociais nômades, capazes de circular pelas escadas que ligam estes pavimentos. Ou melhor: que redesenhem esses planos e comuniquem os níveis horizontalmente.” (Canclini 19)
Nestor Garcia Canclini, portanto, evidencia em sua abordagem as limitações de um estudo alicerçado e limitado unicamente por um plano positivista de se estudar a vida humana, este sendo insuficiente mediante à crescente hibridização cultural. Concordamos acerca da necessidade de uma horizontalização destes planos para uma elucidação e compreensão ampla dos fenômenos contemporâneos. Pensando em uma pesquisa acerca das Artes Marciais Históricas Europeias, a historiografia por si só se mostra auspiciosa para compreender os esforços e empregos de um suposto passado medieval na cultura contemporânea do Rio de Janeiro, em específico quando levantamos as produções autorais de hemaístas ao plano de análise da História. Porém, para uma compreensão mais ampla, percebemos como promissor, também, o emprego de metodologias típicas das ciências sociais, como a observação participante da antropologia, diários de campo etc.
O intuito desta abordagem nômade, ressaltamos, não é estabelecer uma relação de “Historiador Testemunha” com o objeto de estudo, mas enriquecer a pesquisa a partir de uma abordagem nômade que se distancie do “olhar folclórico” e compreenda estas práticas, por exemplo, em sua vivência. Pensamos, em méritos exemplificativos, na abordagem empreendida pelo antropólogo francês Loïc Wacquant de participação observante, como demonstrado em “Corpo e Alma: notas etnográficas de um aprendiz de boxe”, livro este referente a pesquisa conduzida pelo antropólogo em um gym de boxe em Chicago nos Estados Unidos. Nesta, o autor defende uma abordagem imersiva na prática, na vivência do boxe como um recurso para evitar as perspectivas coletivas “mitológicas” construídas em torno da arte marcial. (Wacquant 22) Por meio desta abordagem, o autor defende:
A outra virtude de uma abordagem com base na observação participante (que, no caso, presente, é mais uma “participação observante”) em uma banal academia de treinamento é que os materiais assim produzidos não padecem do “paralogismo ecológico” que afeta a maior parte dos estudos e relatos disponíveis sobre a Nobre Arte [boxe]. Assim, nenhuma das declarações aqui relatadas foram expressamente solicitadas: os comportamentos descritos são aqueles do boxeador em seu “habitat natural” e não a (re)apresentação teatralizada e altamente codificada que ele gosta de fazer de si mesmo em público, e que as reportagens jornalísticas e os romances retraduzem e louvam segundo seus cânones próprios. (Wacquant 23)
Logo, evitando qualquer pretensiosismo positivista, o que buscamos é uma abordagem nômade das ciências humanas que busque a compreensão destes fenômenos contemporâneos, acessíveis no presente, em um nível interdisciplinar, a partir de uma articulação nômade das ciências humanas, adaptando-se aos desafios inerentes na compreensão destas práticas e destes “res” de um tempo histórico. Ressaltando, por fim, que não se configura como a única forma de pesquisa e estudo dos fenômenos aqui mencionados, apenas uma das possíveis vias de articular interdisciplinarmente as ciências humanas em sua elucidação.
4. Considerações Finais
Os trabalhos do historiador, Daniel Jaquet, desde o seu artigo de 2015 Historical European Martial Art – a crossroad between academic research, martial heritage re-creation and martial sport practices (Arte Marcial Histórica Europeia - uma encruzilhada entre pesquisa acadêmica, recriação da herança marcial e práticas esportivas marciais, tradução nossa), até a publicação do livro, em 2020,“Historical European Martial Arts – an international overview” (Artes Marciais Históricas Europeias – uma visão geral internacional, tradução nossa) pelo Centro Internacional de Artes Marciais da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (ICM – UNESCO, acrônimo em inglês), torna evidente a compreensão do historiador acerca das HEMA como um esforço importante de revitalização e preservação de uma herança cultural intangível europeia, conforme os autores trabalham no supramencionado artigo de 2015. Tal perspectiva se confirma, também, ao contemplarmos o reconhecimento das HEMA junto a esta organização.17
Ao contemplarmos, portanto, este fenômeno de neomedievalismo em solo brasileiro, compreendê-lo como uma representação e produto do processo colonial e toda violência metafísica empregada por este, retomando ao trabalho de Nelson Maldonado-Torres18 (49), não nos parece uma conclusão distante da realidade. Contudo, retomando ao último ponto deste ensaio, consideramos que para averiguarmos a concretude desta hipótese, evidenciando as relações da colonialidade e a busca por um passado “ideal e inexistente” (na forma de uma herança, e/ou reminiscência europeia no Brasil), precisamos de uma abordagem que abarcasse as ciências humanas em caráter nômade, articulando uma pesquisa interdisciplinar em torno deste fenômeno, conforme buscamos evidenciar neste ensaio.
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1. Doravante, utilizaremos de maneira intercambiável HEMA, Esgrima Histórica e Artes Marciais Históricas Europeias. Todos os três empregos referir-se-ão ao amálgama das “Historical European Martial Arts” que será elucidada ao longo do ensaio.
2. Criada, em 2019, por membros da extinta Casa Vieira-Turaine, de 2014, para prática das HEMA. Disponível em: https://web.archive.org/web/20230818193052/https://www.aehchema.com.br/instrutores.html. Acesso em: 18 ago. 2023.
3. O primeiro episódio que estabelece o vínculo entre as Cruzadas e colonização encontra-se disponível em: https://youtu.be/vZB5hFE-E4M. Acesso em: 13. ago. 2023.
4. Doutor em História pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e professor da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).
5. Doutorando em História na Universidade Federal do Paraná (UFPR)
6. Doutor em História Medieval pela Universidade de Genebra, atualmente é Pesquisador em História Medieval na University of Bern no Departamento de História. É profissional de museus (Chefe de Pesquisa Científica e Atividades Pedagógicas do Museu Estadual do Castelo de Morges).
7. Dr. Audrey Tuaillon Demésy é pesquisadora em sociologia na University of Franche-Comté no departamento de ciências esportivas.
8. Dr. Iason-Eleftherios Tzouriadis é pesquisador independente, anteriormente afiliado a University of Leeds.
9. Pesquisador afiliado ao museu de Nyborg e acadêmico das Artes Marciais Históricas Europeias, assim como membro do comitê científico da revista Acta Periodica Duellatorum.
10. Doutor em arqueologia medieval e pesquisador independente.
11. Membros do grupo Artes Certaminis de Esgrima Histórica e pesquisadores pela Associação para Pesquisa, Prática semanal e Desenvolvimento de EH na Universidade de Lausanne (Unil’AMHE)
12. Bacharel em Produção Cultural pela Universidade Federal Fluminense (UFF), instrutor de esgrima histórica na Armizare Esgrima Histórica e, durante elaboração deste ensaio, membro da chapa vencedora da presidência da HEMA Brasil.
13. Esta tentativa de favorecer um legado ocidental na diferenciação entre Artes Marciais Ocidentais e Artes Marciais Asiáticas demonstra alguns dos vários empregos da Idade Média sonhada, conforme Eco, no âmbito do neomedievalismo. Tal temática, a disputa e o emprego da Idade Média com o intuito de estabelecer uma herança ocidental e reafirmação como ocidente se mostra como campo auspicioso para pesquisas futuras no âmbito do neomedievalismo e das HEMA.
14. Disponível em: https://web.archive.org/web/20230824232518/https://www.getty.edu/art/collection/object/103RW1
15. Professor e pesquisador da Universidade da California, nos Estados Unidos. Especialista em literatura ibérica medieval.
16. Professora e pesquisadora da Universidade de Duke, nos Estados Unidos. Especialista em literatura e cultura espanhola na Idade Moderna.
17. Disponível em: https://web.archive.org/web/20230823215522/http://unescoicm.org/eng/library/global_martialarts.php?ptype=view&idx=6966&page=1&code=global_martialarts_eng&category=168&searchopt=subject&searchkey=hema
18. Filósofo e professor de estudos latinos e caribenhos e no programa de literatura comparada na Universidade de Rutgers.